terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Eros e Civilização



Por Lucam Moraes

O próximo encontro do Grupo Aleph será com "Eros e Civilização". A leitura do mês de março, obra de Herbert Marcuse, traz como tema a compreensão da Repressão Sexual, utilizada por nossa sociedade para sua auto-conservação.

Em Eros e Civilização, Marcuse se utiliza de conceitos psicanalíticos para uma melhor compreender a questão levantada. Ele nomeia essa sociedade unidimensional,ou seja, sem dimensões e/ou diferenciações de valores. Tudo equivale a tudo, todos a todos (como se, basicamente, tudo fosse mercadoria), numa condição de objetos de consumo.

Também a nomeia sociedade administrada – isto é, não há real (pura) liberdade de expressão. Tudo o que dizemos, fazemos, pensamos, gostamos e não...tudo é controlado por uma força maior, inapontável e incombatível.

Marcuse fala de Super-Repressão, que é um conjunto de restrições e imposições que auxiliam a “domesticação” do Homem para o convívio em sociedade, indo além do Recalque e da Contenção do Princípio de Prazer por exigências do Princípio de Realidade de Freud, nos quais há simplesmente uma demanda de sobrevivência do indivíduo – já na Super-Repressão, a finalidade não é simplesmente a conservação da integridade e existência do indivíduo, mas da sociedade em primeiro lugar.

Quando Freud expõe a Contenção do Princípio de Prazer, ele explica como: “O Homem vive em constantes angústia e penúria, assim devendo trabalhar para sobreviver a esse desgosto”. Com isso, não só a Libido é sublimada e convertida num melhor rendimento, mas também o prazer “é ensinado” a se protelar para suportar frustrações e angústias longas (às vezes definitivas).

No entanto, indo mais além, Marcuse aponta que Freud não considerou um aspecto essencial desse contexto: a desigualdade. Ele pontua que se deve considerar que somos indivíduos diferentes, com diferentes necessidades e capacidades e, além disso, há aqueles cuja penúria e angústia são resolvidas com a “condenação permanente” de outros, de diferentes classes sociais e econômicas. E a Super-Repressão, assim como fragmenta as condições existenciais desses indivíduos sociais quase que absolutamente, fragmenta também a sexualidade.

Para que o trabalho seja aceito como valor e virtude central, ocorre a dessexualização e deserotização do indivíduo – “destruindo” as múltiplas zonas erógenas que possui afirmando que qualquer estímulo a elas é imoral, perverso e criminoso –, reduzindo a sexualidade então a mera cópula com fins reprodutivos, limitando-a à genitalidade (ainda assim controlada e contida).

Porém, a Super-Repressão não visa à dominação por si só, mas sim à funcionalização do Homem – transforma o trabalho que era virtude em trabalho alienado, privador de satisfação, prazer, alegria e compensações (sendo essas últimas adiadas, mas nunca alcançadas), assim “destornando-o” fonte de criação e sublimação. Acaba por “matar” o prazer.

Para que a Super-Repressão ocorra devidamente é necessário, contudo, que ela esteja internalizada; e, para que possa ser internalizada, recorre à divisão do tempo e espaço, limitando-os e suas possibilidades de propiciarem um momento para a sexualidade. E, para piorar, essa limitação de tempo-espaço não ocorre só com o sexo, mas também com o lazer.

Essa problemática implica num terrível dilema: o tempo possível de ser dedicado ao lazer é o mesmo da sexualidade. A solução mais exercida para a solução desse dilema – que não é a melhor, mas a “menos pior” – é a fusão de ambos pelo consumo de pornografia, motel, sauna, “casa de massagem”, trazendo uma ilusão de liberdade sexual.

E é por esse caminho que a Super-Repressão se articula com o Princípio de Rendimento. Marcuse o determina como forma contemporânea do princípio de realidade: consumir para produzir e produzir para consumir. Com isso, o indivíduo sente-se humilhado se não atinge às demandas de consumo e produção impostas pela sociedade.

Com isso, a identidade do indivíduo não depende mais da relação [corpo-psique-ics-consciência <–> Natureza-cultura], mas dos critérios de avaliação social.

Deixamos de ser autônomos quanto à sexualidade e nossas próprias vidas para sermos heterônomos – ou seja, deixamos de seguir nossas próprias leis e passamos a ser determinados por leis alheias.

Super-Repressão e Princípio de Rendimento, dessa forma, reduzem o Eros a quase zero e alimentam Thanatos em seu cruel e perverso desejo de morte, vazio e fim.

Acontece que, assim como o recalcado retorna, retorna a Libido reprimida igualmente, que assume três modalidades de manifestação:

1. Princípio de destruição, agressividade realizando o prazer (nazismo, fascismo, massacres, destruição da Natureza...).

2. Infantilização e conformismo, dessublimação repressiva (exibição do nu empropagandas visto como profanação).

3. Revolta de Eros e negação do existente em vez de sua afirmação (“perversões” sexuais como fontes de vida e saúde).

Um comentário:

Paulo Tostes disse...

A reflexão de Marcuse, trazida pelo Lucam, nos dá uma boa ideia de como a sociedade está imersa na negação de um princípio tão fundamental, em nome de uma suposta civilização, pois, ao negar Eros, consome-se numa falsa liberdade sexual, dizendo-se não mais reprimida. No entanto, o que mais temos vivido é um ditadura de comportamentos, inclusive no campo da sexualidade... Por Paulo Tostes