domingo, 17 de janeiro de 2010

Angústia - Graciliano Ramos



"Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso, não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos" (Carta à irmã Marilia Ramos, aprendiz de ficcionista, em 23.11.49)
Lendo o livro Angústia (1935), é possível lembrar-se de Albert Camus, ao menos para quem já leu, por exemplo, O estrangeiro... Marcado por um teor existencialista e memorialístico, a trajetória do personagem sangra como uma ferida que não se fecha. E como não há como conter o sangramento, as imagens patéticas ou trágicas que o assaltam nos sonhos e devaneios diários refletem uma vida que é um verdadeiro exílio econômico e social.
Recordando constantemente o passado da família, principalmente o avô e o pai, o que lhe chegam são cenas e imagens de um pesadelo sem fim. Em meio à incômoda e volúvel relação com Marina, o personagem Luís vive a extrema angústia diante de uma vida pobre, violenta e resultante da frágil economia do sertão das Alagoas, e que o narrador chama "a minha raça vagabunda e queimada pela seca". Assim, nesse árido ambiente, um crime ou uma ação boa dá tudo no mesmo. Afinal, ele já nem sabe o que é bom e o que é ruim, tão embotado vive, como afirma em certa passagem da narrativa. Eis a condição do modesto e inquieto funcionário público Luís é também uma parte do que viveu o escritor, entre a intensa atividade política e a perseguição que daí adveio, e que culminou na grande obra Memórias do Cárcere, publicada após sua morte. Enfim, uma boa leitura e bem ao estilo de Graciliano Ramos: uma dose de história, uma linguagem enxuta, imagética e existencial.
Por Paulo Machado

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