quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O carteiro e o poeta

O título do próximo mês a ser lido pelo Aleph me agradou bastante, aliás, eu já estava sentindo a falta de um texto realmente literário... E o que dizer em mais este breve texto para o blog? De início, o enredo do livro de Skármeta é muito sugestivo à literatura, não só pela relação emblemática entre um carteiro e um poeta, mas por aquilo a que remetem esses dois signos: de um lado o gênero carta que é, por natureza, intensamente memorialístico, e de outro, a inferência do poeta que é, por excelência, “um grande criador de memórias”... Mas vamos ao que mais interessa.
O livro, que virou filme tendo uma boa recepção no cinema na última metade da década passada, certamente é mais intenso. No entanto, mais do que dizer simplesmente que o livro é muito melhor que o filme, vale destacar o engenho do escritor em produzir um texto que pudesse ser simples, agradável e bem desdobrado em outra linguagem estética. Se observarmos com atenção, veremos que a textualidade favorece esse aspecto, o que é facilmente explicado dada a relação do escritor com as artes visuais. Além de sua formação em Letras e Filosofia, tendo estudado em Colúmbia, EUA, ele já produziu filmes de cunho político e foi diretor de teatro. E ainda traz na bagagem mais de uma dezena de livros já publicados.
Eu seria suspeito em optar pelo livro, mas algo que muitos esquecem é que o cinema não é literatura, embora possa refletir esse teor, e a literatura não é cinema, apesar de poder ser, também, suscetível à sétima arte. Um não tem que provar uma verdade para o outro. Mesmo assim, os dois podem ser ótimas leituras, e que jamais devem se excluir. Claro, às vezes o filme decepciona bastante os amantes do texto, ou o contrário também, por que não? Mas, neste caso, apesar das variantes que há entre o livro e o filme, cada qual traz um “olhar próprio”. Além disso, a intertextualidade nas duas experiências estende o olhar de quem lê e assiste. Afinal, a diferença em relação, por exemplo, aos lugares onde se desenrola a narrativa – Isla Negra, no livro, e a Itália mediterrânea no filme – não altera o enredo do livro, pois, se na obra escrita o poeta Neruda tem que ir a Paris, por ter sido nomeado embaixador pelo presidente eleito, Salvador Allende, no filme ele tem que retornar ao Chile por ter sido convidado a participar da campanha presidencial. São deslocamentos que não ferem a essência da narrativa, ao menos naquilo que envolve o afeto e a nostalgia entre o poeta e o carteiro Mário Jiménez, e muito menos as doces recordações de uma grande amizade. Talvez um “desconcerto” entre o terno e singelo filme e o apelo ardente do livro, mas, aí, o título anterior justifica e parece dar conta muito bem do que ficou na literatura e depois no cinema: Ardiente Paciencia...
O que mais posso dizer desta leitura? O cenário e o enredo me vêm, particularmente, como um deleite, seja La Bella Isla Negra ou Una piaggia in Italia. A sensibilidade do escritor vale, sem dúvida, a leitura do livro: uma história de respeito mútuo e de amor, que é atravessada pelo autoritarismo dos governantes, mas também profundamente tocada pela beleza das pequenas coisas, tão cantada nos versos de Neruda.
No mais, o carteiro Jiménez, com seu vagar, educação e simplicidade, nem por isso deixa de exaltar apaixonadamente as duas pessoas que mudariam sua vida: o poeta e sua musa, cujo nome, muy sugestivamente, é Beatriz... Querem mais? Não é por menos que, no filme, saudoso de sua ilha, Neruda chega a pedir a seu amigo uma gravação com os sons do lugar (ver a capa do livro), tarefa que Mário cumpre com louvor...
Enfim, um cenário político ao fundo, uma aldeia de pescadores, o poeta debruçado sobre cartas e cartas, e, por fim, o frescor e a beleza caliente de uma tal Beatriz... Bom, tudo isso já traz, pra mim, razões mais do que extemporâneas...

Por Paulo Machado

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